quarta-feira, 13 de abril de 2016

Conto coletivo 3.º CEB (Semana da Leitura)


E
sta Páscoa vai ser mais triste… Há muito que todas as festividades cá em casa deixaram de ter grande piada. O meu pai já está a trabalhar em Angola há dois anos, desde que a empresa em que trabalhava, em Lisboa, fechou as portas, deixando 120 trabalhadores no desemprego. O meu pai não encontrou outra solução se não rumar a outro país para continuar a garantir o sustento da família.
Sim, eu sei que não sou o único nesta realidade… mas isso não impede que me sinta triste… estou triste porque os meus pais decidiram que era tempo de voltarmos a ficar juntos e… vamos ter com o meu pai. Tenho a cabeça cheia de dúvidas, de perguntas

7.º A
Mudar de escola, de amigos, de casa, de vizinhos, mudar tudo na minha vida, assusta-me.
Não conheço ninguém em Luanda. Apenas a minha família: o meu pai, a minha mãe e a minha irmã Rosa. Quando sair de Portugal nada voltará a ser como era, tudo irá mudar. Vou deixar os meus amigos. Vou para um país onde a maioria da população é negra com uma cultura muito diferente da que estou habituado. Tenho medo!
Sou um pouco tímido, mas se calhar até vou fazer novas amizades, criar novas alianças, por isso tenho de enfrentar os meus medos e juntar-me a elas. Afinal de contas somos todos iguais, não é a cor da pele que nos define.
Por um lado, não sei porque estou tão triste e receoso, a minha família vai voltar a estar unida e isso é o mais importante. Talvez esteja apenas com medo do desconhecido. Será que um dia vou voltar para Portugal? O que vai acontecer às amizades que vou deixar para trás?

8.º A
Hoje é o meu último dia de aulas no Colégio de Santa Cruz. Assim que me aproximo da entrada, invade-me já um enorme sentimento de saudade, tristeza e também alguma nostalgia. De repente, ouço alguém chamar-me “Duarte, Duarte…”. Deparo-me com uma faixa gigantesca à entrada do pavilhão desportivo a dizer “Até breve Duarte, vamos sentir a tua falta”.
Senti-me bastante emocionado com esta atitude dos meus amigos, pois alguns já contam com 14 anos de grande cumplicidade. Aproveitei para me despedir de todos os colegas, professores e funcionários. Contudo, na minha cabeça já só pensava na enorme viagem que iria fazer e no que me esperava…
O dia da viagem chegou.

7.º C
- Duarte, Duarte, acorda. Chegamos. – chamou a minha mãe.
Ainda meio ensonado, saí do avião. Senti logo o calor típico de África, estranhei o cheiro, parecia a erva seca. Também notei diferença nas pessoas com quem me ia cruzando. O meu corpo tremia de ansiedade. Como estaria o meu pai? Com todo este calor a sua cor de pele teria mudado?
A minha mãe guiou-me por um braço até à zona de desembarque, logo avistei uma cara conhecida – o meu pai.
Não sei porque temia tanto o seu aspeto, estava apenas mais moreno e mais lamechas também, pois assim que me viu deu-me um abraço que pareceu durar horas.
No caminho até a minha nova casa, vi pela janela do carro de vidros escuros milhares de coisas: mulheres com os filhos pendurados nas costas, prédios grandes e degradados, casas com jardins imensos e bem cuidados. O que me chamou mais à atenção foi o trânsito caótico.
Finalmente, chegamos a casa, sãos e salvos. Não consigo descrever o que sinto, por um lado já tenho saudades de Portugal e por outro sinto ansiedade sobre o que irá acontecer daqui para a frente. Mas o que eu mais anseio mesmo é conhecer a minha nova escola.

8.ºB
            Deparei-me com uma realidade diferente da que esperava: a minha nova casa era bem mais pequena do que a casa que tínhamos em Lisboa. Cá em Luanda, as habitações estão, comparativamente às portuguesas, um pouco degradadas, as paredes mesmo pintadas de vermelho parecem não ter cor nem alegria e parece que estão isoladas de tudo. Cada vez mais me convenço de que não vai ser nada fácil habituar-me a este novo espaço.
            Entretanto, o meu pai chamou-nos para jantar: nova surpresa. Em cima da mesa tudo para mim era novidade: fubá, biltongue, babotie, chermoula… e outros pratos típicos daquela região. Todos diziam que a comida estava ótima… todos menos eu, a minha mãe e a Rosa que mal tivemos vontade (ou coragem) de provar.
            Comi alguma coisa com tanto picante que tive de ir à rua apanhar ar. Mal cheguei à varanda, deparei-me com uma bola toda feita de trapos, que havia sido chutada por um menino, o qual aparentava ser da minha idade. Entreguei-lhe a bola e tive uma nova surpresa.

8.ºC
            O menino era branco como eu e estava descalço. Reparei que jogava num campo improvisado com o piso repleto de pedregulhos. Como é que ele conseguia andar descalço sem se magoar?
            Aproximou-se de mim e, com um sorriso no rosto, disse-me:
            - Obrigado!
            Estranhei o facto de ele ter uma pronúncia tão parecida com a minha, mas tempos depois vim a descobrir que ele também tinha vindo de Portugal nas mesmas condições que eu há alguns anos atrás.
            Convidou-me para jogar à bola com ele, mas, como ainda não me estava a sentir bem do estômago, recusei. Provavelmente, não foi a melhor opção, mas na altura achei que sim, pois não o conhecia de lado nenhum.
            Mal sabia eu que viríamos a ser grandes amigos no futuro!
7.º B
         No dia seguinte, os meus pais levaram-me à escola. A viagem foi atribulada.  Embora não fosse longe de minha casa, demorámos muito tempo devido ao caos no trânsito. Apercebi-me que muitos meninos iam para a escola a pé, vestidos com uma bata branca, da qual pareciam orgulhar-se muito. A certa altura do percurso, reparei que o menino branco da bola de trapos caminhava a pé, com os livros debaixo do braço. Pedi ao meu pai que encostasse e lhe desse boleia. Ele aceitou prontamente.
     Fiquei a saber que se chamava Afonso e que, tal como eu, tinha muitas saudades de Portugal. Da sua aldeia, tinha especiais saudades do avô Joaquim, da avó Mariana e, principalmente, da sua irmã Inês. Ela era mais velha e já era casada, por isso não viera com a sua família. Também sentia muita falta da sua equipa de futebol, do União de Leiria.
         Entretanto, chegámos à nossa escola e rapidamente apercebemo-nos que iríamos ficar na mesma turma.

9.º B
Chegou a hora de começar a primeira aula. Senti um aperto no coração e demasiada ansiedade. De qualquer forma segui o Afonso que se dirigiu prontamente à sala da turma.
Nova surpresa! Havia alunos de diferentes nacionalidades: uns eram brancos como eu, outros mais morenos; uns andavam descalços e outros não; uns tinham roupas melhores e outros piores. Perante todas aquelas diferenças, senti-me mais seguro e confiante. Afinal não era o único estrangeiro.
O Afonso ajudou a integrar-me na turma. Sentamo-nos lado a lado e a confiança entre nós começou a aparecer.
Quem diria que uma bola de trapos poderia iniciar uma forte amizade?

9.º A
Daí por diante, eu e o Afonso tornamo-nos grandes amigos e descobrimos que tínhamos muitas afinidades.
Depois de o professor me ter apresentado a toda a turma, iniciou a aula. Rapidamente se passou uma hora e era tempo de ir para o intervalo. Pouco a pouco o Afonso foi-me apresentando ao seu grupo de amigos, que me recebeu com entusiasmo e grande alegria.
Começava a pensar que talvez não fosse assim tão mau mudar de país. Confesso que ao início a ideia não me agradou mesmo nada, mas depois de entrar na escola e ver aquelas pessoas algo mudou. Eles eram todos tão diferentes, mas tão iguais. Tinham uma relação muito forte e eram bastante unidos, isso agradou-me.
Com o passar do tempo, também criei muitos laços com outros alunos da escola e percebi que, apesar de todas as diferenças que possam existir, conseguimos todos ser amigos e perceber que somos todos iguais.
Apesar de me sentir mais integrado, continuei também a sentir grandes saudades de Portugal. Até ao dia em que …

9.º C
deitado no meu sofá e cercado pelas paredes vermelhas descoloradas, percebi que já tinham passado dezanove anos desde o dia em que uma bola de trapos me veio parar aos pés.
Preparo-me para amanhã apresentar o meu livro, um dos sonhos que tinha desde criança e que sempre me acompanhou em todas as mudanças da minha vida. Lembro-me de ter catorze anos e pensar que este dia seria vivido em Portugal.
Afinal a mudança de país, cultura e até de amizades em nada modifica a concretização dos nossos sonhos, esta depende apenas da força de vontade e determinação de cada um.
Sempre achei que a leitura poderia servir para criar elos entre as pessoas de várias culturas e nacionalidades. Este é o grande objetivo do meu livro.


FIM